Bancários e banqueiros: horas extras aguardando e realizando audiências na Justiça do Trabalho


Autor: Adriano Cury Borges - De Vivo, Whitaker e Castro Advogados / Data: 26 de fevereiro de 2015
A insegurança jurídica no Brasil reina nas mais diversas relações, seja entre particulares, seja entre particular e Poder Público e até entre diferentes entidades do próprio governo. Não podia ser diferente nas relações de trabalho e aqui se destaca a categoria dos bancários: são tantos os entendimentos que gravitam em torno de sua própria classificação, passando por direitos básicos como horas extraordinárias e cargo de confiança, que esses profissionais, bem como seus empregadores, poderiam até mesmo receber um “adicional de audiência” do governo no término da relação de emprego. Poderia ser via compensação com algum tributo, por exemplo, aproveitando o aumento da carga tributária neste ano.

Aliás, dito “adicional de audiência” poderia ser estendido a qualquer alma fadada a comparecer à Justiça do Trabalho no mesmo dia em que houver uma audiência debatendo a relação de bancário, em razão da demora e do atraso que esses atos resultam. O tempo despendido decorre da necessidade das partes produzirem prova acerca de cada um dos entendimentos que circundam as matérias: como são muitos, costuma demandar igualmente um tempo expressivo!

Não se questionam os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, consagrados na Constituição Federal: se há uma porção de teses, têm direito as partes de comprovar que nelas se enquadram. O problema é a multiplicidade de interpretações aos mesmos dispositivos legais.

A começar que nem todo bancário trabalha em banco. E isso já ocorre há muito tempo. Como a antiga Lei nº 4.595/1964 regulamentou em um só ato normativo as instituições monetárias, bancárias e creditícias, o Tribunal Superior do Trabalho acabou por editar, em 1974, a atual Súmula nº 55, no sentido de que as empresas de crédito, financiamento ou investimento, também denominadas financeiras, equiparam-se aos estabelecimentos bancários no que se relaciona à jornada de trabalho de seus empregados. Como se essas disposições fossem bastante claras e não demandassem intensa discussão!

De fato, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que a duração normal do trabalho dos bancários seja de 6 (seis) horas contínuas nos dias úteis, com exceção aos sábados, perfazendo um total de 30 horas de trabalho por semana. Além disso, também dispõe que a duração normal do trabalho estabelecida deve ficar compreendida entre 7 e 22 horas, assegurando-se ao empregado, no horário diário, um intervalo de 15 minutos para alimentação.

O artigo 225, do mesmo Diploma Legal, até permite que a duração normal de trabalho dos bancários seja excepcionalmente prorrogada até 8 (oito) horas diárias, não excedendo 40 (quarenta) horas semanais, observados os preceitos gerais sobre a duração do trabalho. O que é excepcionalmente, no entanto? Não se sabe.

O dispositivo remete aos “preceitos gerais sobre a duração do trabalho”, mas estes, especificamente no artigo 59, da CLT, preveem que a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. Ou seja, a “excepcionalidade” da hora extra do bancário é um acordo escrito? Para alguns é, para outros não.

De todo modo, em sendo um acordo escrito, é pacífico que não pode ser desde a admissão. Para o próprio Tribunal Superior do Trabalho, agora na Súmula nº 199, a contratação do serviço suplementar, quando da admissão do trabalhador bancário, é nula. Os valores assim ajustados apenas remuneram a jornada normal, sendo devidas as horas extras com o adicional de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento), as quais não configuram pré-contratação, se pactuadas após a admissão do bancário. Ou seja, após a admissão pode. Quanto tempo depois, duas horas? Também não se sabe: há decisões para todos os gostos.

Confuso até aqui com um bancário que não trabalha em banco, que pode ou não fazer horas extras (“excepcionalmente”), desde que haja acordo escrito depois (algumas horas) da admissão? Isso não é nada perto do que pode gerar a conceituação de “cargo de confiança bancário”!

A limitação da jornada de trabalho é uma das primeiras grandes conquistas dos trabalhadores e no Brasil decorre da própria Constituição Federal, que prevê o direito à duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. As exceções, portanto, caberiam ao Sindicato regulamentar.

Mas a Consolidação das Leis do Trabalho, editada antes da atual Constituição Federal, já previa que não são abrangidos pelo regime que torna obrigatório o controle de horário e o pagamento de horas extras (i) os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho; e (ii) os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam os diretores e chefes de departamento ou filial.

Como a exceção da CLT não condiz com a exceção da Constituição Federal, ainda há quem diga que essa parte da CLT não foi recepcionada pela Lei Maior, ou seja: nenhum empregado deve ser excluído do regime. Outro exemplo de tese que se vê em algumas decisões judiciais.

Prevalece, no entanto, na maioria das decisões judiciais a validade da previsão da CLT, constituindo de fato exceções ao controle de horário e ao pagamento de horas extras os empregados externos e os que exercem cargos de gestão. Mas essas exceções são bem restritas: somente o trabalho externo verdadeiramente incompatível com o controle de jornada nela se enquadra, ao passo que o cargo de gestão é daqueles que se confundem com a figura do próprio empregador, ou seja, as maiores autoridades da empresa.

Já há bastante celeuma a respeito do enquadramento nessas restritas exceções. Os meios telemáticos, por exemplo, já tornam possível, em tese, controlar a jornada de muitos trabalhadores. Por outro lado, mesmo as maiores autoridades na empresa estão sujeitas à vontade dos sócios, seja ela manifestada diretamente pelos próprios, seja através de um conselho; até sócios reportam-se um para os outros, afastando a ideia da “figura que se confunde com o empregador”. Na prática, vê-se de tudo sobre esse tema na Justiça do Trabalho.

E a situação do bancário é ainda pior. Isto, porque o artigo §2º, do artigo 224, da CLT, excepciona da limitação da jornada em seis horas diárias os bancários que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhem outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação não seja inferior a 1/3 (um terço) do salário do cargo efetivo.

Há então um cargo de confiança junior (não precisa de muita confiança), que autoriza os bancários (que trabalham ou não em banco) a trabalharem exatamente como os empregados das demais categorias, até oito horas diárias e quarenta e quatro semanais; e um cargo de confiança senior (muita confiança), que autoriza qualquer um trabalhar o tempo que for.

É obvio que na jurisprudência há a maior confusão, afinal, o que exatamente diferencia um cargo de confiança e outro? A existência de subordinados? A importância e autonomia das decisões? A detenção de alçada e procuração do banco? Ninguém sabe e cada um entende como quer.

Na tentativa de diminuir a litigiosidade, o Tribunal Superior do Trabalho editou outra Súmula, de nº 287: “A jornada de trabalho do empregado de banco gerente de agência é regida pelo art. 224, § 2º, da CLT. Quanto ao gerente-geral de agência bancária, presume-se o exercício de encargo de gestão, aplicando-se-lhe o art. 62 da CLT.”. Parece claro em relação especificamente a estabelecimentos bancários, mas há tese jurisprudencial de peso no sentido de que não basta o nome da função e o recebimento da gratificação para caracterizar o exercício do cargo de confiança bancário, sendo necessário de fato deter autonomia, alguns defendem que também subordinados e aí segue no campo da indeterminação.

Já no caso do “bancário” que não trabalha em banco, a confusão é geral. A Súmula nº 287, do TST, pouco socorre, eis que refere especificamente “agência” e muitas financeiras não as possuem.

Resultado: quando reclamam na Justiça do Trabalho o pagamento de horas extras, bancários e banqueiros vêm-se na obrigação de defender um número infindável de teses e produzir prova de cada decisão que o empregado tomou no curso da relação de emprego e da importância de cada uma delas na instituição. Fora a prova das horas trabalhadas que, sem controle, sempre tem elevado grau de imprecisão: quem é capaz de dizer que horas entrou e que horas saiu do trabalho todos os dias por cinco anos?

E então, merecem ou não “adicional de audiência”?

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