
Negócios jurídicos processuais no novo CPC – o que pode?
Os negócios jurídicos processuais não são necessariamente novidade. O CPC/73 já trazia negócios processuais típicos, como por exemplo o foro de eleição, a convenção sobre o ônus da prova, e ainda a suspensão do processo para negociação de acordo. Podemos mencionar até mesmo a liquidação por arbitramento.
O que é novo e interessante é que se abre um tema que era típico para a possibilidade das partes convencionarem por meio de negócios processuais atípicos. Sendo assim, em todos os campos do direito processual será possível a negociação, como por exemplo, produção de prova, prazos processuais, ordem de penhora etc.
As partes podem transacionar ainda sobre procedimento – por exemplo, nas causas complexas em que exista a necessidade de mais perícias e mais peritos, as partes podem modelar o procedimento, simplificando a causa e trazendo ritos mais curtos, de acordo com a sua vontade. A negociação pode se dar antes do início do processo ou com o processo em curso.
A corroborar com o citado empoderamento das partes, temos o art. 3º do CPC, que traz o prevalecimento da autonomia da vontade, quando privilegia, formalmente a solução amigável de conflitos.
Na sequência, em consonância com o direito material, com o qual hoje anda ao lado, traz o CPC em seu artigo 5º, o regramento de obediência ao princípio da boa-fé e, no artigo 8º determina que são princípios orientadores do processo civil, a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Nessa esteira, o artigo 190 aparece como uma das maiores inovações do novo CPC, uma vez que instituiu a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais, que podem ser conceituados como o negócio jurídico celebrado, em juízo ou fora dele, com a intenção de produzir efeitos processuais, antes do processo (pré-eficácia do negócio processual), no curso do processo ou depois de encerrado o processo (pós-eficácia do negócio processual).
No entanto, a autonomia da vontade das partes não é absoluta, não podendo ser transacionados, por exemplo, a supressão de direito de defesa, do contraditório, do direito de interpor os recursos cabíveis e produzir provas etc.
Podemos citar ainda, como limites à autonomia, a necessidade de homologação pelo judiciário, para a eficácia do negócio jurídico processual e que este, em consonância com o direito positivo brasileiro (artigo 2035, CC), é limitada pela ordem pública.
Quais serão, então, arrolados, os exemplos de negócios jurídicos processuais que podem ser livremente praticados pelas partes? Negócios que: (i) estabeleçam a cronologia do procedimento (tal como ocorre já no processo arbitral – CPC 191); (ii) estabeleçam a cláusula sem recurso, desde que bilateral, isto é, que somente haverá decisão de mérito no primeiro grau de jurisdição; (iii) c) estipulem renúncia ao direito de interpor recurso; (iv) dispensem determinada prova, por exemplo, pericial; (v) convencionem sobre a distribuição do ônus da prova; (vi) elejam o foro em que deve ser processada e julgada a ação; (vii) estabeleçam cláusula compromissória para submeter a lide à arbitragem; (viii) estipulem a incidência, no processo, da cláusula solve et repete (renúncia à exceção do contrato não cumprido); (ix) renúncia ao direito de recorrer; (x) determinem qual o direito aplicável à hipótese (na convenção de arbitragem é possível: escolher-se a lei aplicável, escolher "livremente, as regras de direito a serem aplicadas na arbitragem" [LArb 2º, parágrafo 1º], escolher-se o idioma no qual se desenvolverá o processo, conferir-se ao tribunal arbitral a possibilidade de decidir por equidade etc); (xi) autorizem o juiz estatal a decidir por equidade, mesmo fora dos casos previstos em lei; (xii) pacto de impenhorabilidade; (xiii) acordo e rateio de despesas; (xiv) pacto de mediação ou de conciliação extrajudicial; e (xv) pacto de não aplicação de efeito suspensivo aos recursos.
Recentemente, a Justiça de SP determinou o bloqueio de passaporte, CNH e cartão de crédito de determinado devedor. Poderiam as partes convencionar que o juiz não aplicasse essas medidas cumulativamente? Entendemos que sim. O que não se pode é transacionar que determinada medida coercitiva não será aplicada. Mas podemos dizer que não seriam cumuláveis ou que seriam aplicadas em determinada ordem.
Caberá ao judiciário, por fim, no negócio jurídico processual, controlar a validade da convenção, afastando-a quando houver: (i) nulidade (dolo, coação, matérias sujeitas a reserva legal ou questões de ordem pública, matérias que não estejam na esfera de disponibilidade das partes, regras que violem direitos fundamentais etc).; (ii) inserção abusiva em contrato de adesão (não há limitação abusiva em contrato de adesão por si só – é possível a negociação processual em contratos de adesão, o que não é permitida é a negociação processual abusiva).
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